sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Rede de Vigilância de Vetores - REVIVE


Programa Nacional de Vigilância de Vetores Culicídeos

Os programas de vigilância são sistemas organizados de recolha de dados, sendo necessário implementar dispositivos multidisciplinares abrangendo quatro componentes:
  1. Deteção da doença em humanos ou animais (vigilância humana e vigilância animal);
  2. Vigilância nos vetores;
  3. Vigilância da atividade patogénica em hospedeiros silváticos;
  4. Estudos das condições climáticas relacionadas com a transmissão do agente patogénico.  
Porque é que as doenças transmitidas por vetores têm emergido ou reemergido?

Existe uma preocupação crescente das autoridades de Saúde Pública da Europa com a probabilidade de introdução de novos vetores em determinadas zonas geográficas, assim como com a possibilidade de surgimento de surtos inesperados e provocados por agentes etiológicos que ou nunca estiveram presentes. As doenças transmitidas por mosquitos (culicídeos) já constituíram graves problemas de saúde pública na Europa. Doenças como a malária, dengue e febre amarela foram erradicadas da Europa em meados do século XX, continuando, no entanto, a existir em muitas outras zonas as espécies de mosquitos responsáveis pela transmissão destas patologias.


Fig. 1 - Duas espécies de mosquitos que transmitem a Dengue, Febre Amarela e Chikungunya
A ocupação de novos espaços por potenciais mosquitos vetores de arbovírus (vírus transmitidos por artrópodes) deve ser sempre considerada, sobretudo devido às provas já existentes, como a introdução do mosquito Aedes albopictus na Europa. Este mosquito foi introduzido na Albânia e no sul de Itália, tendo-se estabelecido muito rapidamente em toda a Itália e sul de França. Em 2004, esta espécie foi encontrada na Catalunha, Espanha. Dado a proximidade com Portugal, a qualquer momento pode ser introduzido no Continente. O mesmo se sucede com o Aedes aegypti, que foi registado oficialmente na ilha da Madeira em 2005, na freguesia de Santa Luzia, Funchal.
A maior parte dos agentes de doença transmitidos por vetores exibem um padrão sazonal distinto, o que sugere que os parâmetros climáticos são importantes na epidemiologia das doenças transmitidas por vetores. Alguns fatores climáticos como a temperatura, a precipitação, a humidade e a velocidade e direção do vento influenciam fortemente a ecologia, desenvolvimento, comportamento e sobrevivência dos vetores e hospedeiros e, consequentemente, a dinâmica da transmissão da doença.
Fig. 2 - Dinâmica de transmissão de agentes patogénicos causadores de doença
Mosquitos e Ciclo Biológico

Os mosquitos são insetos (ordem Diptera, família Culicidae) conhecidos por picarem e causarem incómodo ao homem. São o grupo de artrópodes mais importante como vetores de agentes de doença em medicina humana e veterinária. Existem mais de 3500 espécies, em praticamente todos os continentes (exceto Antártida) e podem ser encontrados desde o nível do mar até 3000 metros de altitude. As espécies/géneros de mosquitos mais preocupantes são:

  • Aedes albopictus/Aedes aegypti (vetor competente para transmitir a Dengue, Febre Amarela, West-Nile(WN) e Chikungunya);
  • Culex (WN);
  • Anopheles (WN e Malária).

Os mosquitos têm uma tromba (probóscide) adaptada à sucção de líquidos como néctar, seiva ou sangue. Só as fêmeas fazem refeições de sangue, através da picada, do qual necessitam para efetuarem a postura de ovos. Passam por uma metamorfose completa durante o seu ciclo de vida, que compreende quatro fases:
                        
                                  Fig. 3 - Ciclo biológico do mosquito


1 - Mosquito adulto
2 - Ovos
3 - Larvas
4 e 5 - Pupa





A duração das três primeiras fases (ovo, larva e pupa) depende da espécie e da temperatura, e desenvolvem-se obrigatoriamente na água, sendo ela doce ou salobra, ou seja, lagos, lagoas, charcos, fontes e piscinas com água estagnada, latas, vasos, pneus e outros recipientes abandonados que podem reter água da chuva. A capacidade de voo dos mosquitos adultos é limitada, logo a sua presença indica a proximidade de um local de criação. É possível diferenciar o tipo de mosquito através da disposição da larva na água:
Fig. 4 - Identificação do tipo de mosquito através da disposição da larva na superfície da água
A importância da criação da Rede de Vigilância de Vetores (REVIVE), sediada no Centro de Estudos de Vetores e Doenças Infeciosas (CEVDI/INSA), que iniciou atividade em 2008, prende-se pela necessidade de melhorar o conhecimento sobre as espécies de vetores presentes no país, a sua distribuição e abundância, contribuindo para o esclarecimento do seu papel como agentes de transmissão de doença, assim como detetar atempadamente introduções de espécies invasoras com importância para a Saúde Pública. Desta forma, privilegiando a prevenção em detrimento da resposta à emergência, a vigilância de vetores permite que as autoridades definam medidas que contribuam para a proteção da Saúde Pública.
Em 2007 foi aprovado o Programa Nacional de Vigilância de Vetores Culicídeos e assinado um protocolo entre a Direção-Geral de Saúde, as Administrações Regionais de Saúde do Alentejo, Algarve, Centro, Lisboa e Vale do Tejo e Norte e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA).

Procedimentos de vigilância de mosquitos
 Para que o programa REVIVE tenha sucesso nos resultados esperados, foi desenvolvido, pelo CEVDI/INSA, um plano de ação que assenta em diferentes componentes que serve de apoio técnico. O quadro abaixo apresenta os procedimentos efetuados na USP do ACES de Cascais:

Quadro 1 - Procedimentos e técnicas usadas pela USP do ACES Cascais no programa REVIVE
Formação inicial (2008)
Para iniciar o programa foi organizada uma ação de formação destinada aos colaboradores do programa e a outros técnicos das ARS's

Componente teórica:

• Noções básicas de epidemiologia;
• Noções básicas de biologia de vetores e agentes transmitidos;
• Métodos de deteção de agentes etiológicos;
• Noções de vigilância;
• Controlo e prevenção de vetores culicídeos.

Componente prática:

• Observação de amostras;
• Demonstração do funcionamento do equipamento;
• Entre outros.

Manual: revisão bibliográfica sobre mosquitos e agentes transmitidos e descrição detalhada de metodologias no campo e no laboratório, assim como protocolos e impressos a serem utilizados pelos técnicos REVIVE (TSA).

Recolha periódica de amostras
em locais definidos

Amostras: ovos, larvas, pupas e mosquitos adultos
                    Métodos de colheita:
Ovos - para a recolha de ovos, a USP utiliza metade de uma garrafa de água de plástico (1,5L), forrado com saco preto de forma a imitir um vaso. No seu interior é colocada água e matéria orgânica (criação das condições para deposição dos ovos) e ainda uma espátula de madeira (Fig. 5).
Larvas/Pupas - utilização de duas técnicas: arrastamento de uma metade de uma garrafa de água de plástico (1,5L) no local de recolha; recurso a uma seringa de forma a sugar as larvas (Fig. 6). Depois de colhidas são depositadas em frascos de amostra para serem posteriormente encaminhados para o laboratório (Laboratório de Saúde Pública do ACES Oeiras - Centro de Saúde Oeiras) (Fig. 7). Antes de serem levadas para o laboratório, as amostras são colocadas num equipamento de frio para diminuir a atividade das larvas.
Mosquitos adultos - armadilha tipo CDC, sem gelo seco ou CO₂. Depois de ficarem presos na armadilha, é fechado o saco e colocado também num equipamento de frio antes de serem encaminhados para o laboratório.

Seleção dos locais: feita pela ARSLVT que informa o CEVDI/INSA antes das saídas de campo, para programação da chegada de material. A USP também pode propor locais de colheita à ARSLVT.

Calendário: de Maio a Outubro (período mais significativo para a presença de mosquitos, no entanto, devido às alterações climáticas é de prever o aumento da concentração de mosquitos noutros períodos do ano).
              Periodicidade das colheitas:
Estádios imaturos - todas as 4ªF
Mosquitos adultos - 3/3 semanas (dependendo da disponibilidade da armadilha – o equipamento é partilhado por 3 ACES)

Envio das amostras para laboratório
Enviadas por correio, ou em mão, acondicionadas em malas refrigeradas a até 3 dias depois do início do trabalho de campo.
Dados das colheitas
Preenchimento do Boletim de Colheita de Mosquitos Adultos e de Mosquitos Imaturos

Laboratório
Identificação de culicídeos: os mosquitos recebidos são anestesiados num refrigerador a 4°C e identificados através de chaves de identificação. 
Pesquisa de flavivírus: importante porque este género engloba cerca de 70 vírus, alguns dos quais causam problemas sérios de Saúde Pública e, em certas regiões, aparecem inesperadamente. Os mosquitos são um dos vetores artrópodes associados à transmissão dos flavivírus.

Dados do REVIVE
Criação de base de dados pelo CEVDI/INSA com todos os dados fornecidos pelas ARS's nos boletins de colheita, acrescentando os dados gerados no laboratório, como por exemplo, o estado da amostra à chegada ao laboratório, identificação do estádio de desenvolvimento, género, espécie, infeção por flavivírus, entre outros.
Divulgação dos resultados
Relatórios realizados pelo CEVDI/INSA e enviados a cada uma das ARS's.


Fig. 5 - Armadilhas para captura de ovos de mosquitos
Fig. 6- Colheita de imaturos
Fig. 7 - Acondicionamento das amostras no local de colheita em mala refrigerada

Através da experiência adquirida nos trabalhos de campo durante este estágio, no que diz respeito à captura de mosquitos imaturos, aprendi que as condições do meio ambiente são essenciais para o desenvolvimento da fase imatura de insetos. O habitat ideal para o crescimento do mosquito imaturo está relacionado com as condições do criadouro, onde a água é um fator importante e obrigatório, visto que a fase imatura apenas se desenvolve na presença de água. As condições em que esta se apresenta e a sua qualidade são aspetos que podem, ou não, dificultar o aparecimento dos estádios imaturos em determinados criadouros. Então, para o seu desenvolvimento, é necessário uma linha de água estagnada; pouca ou nenhuma atividade animal (presença de peixes, sapos, rãs, cagados). A qualidade da água é um aspeto que não pode ser generalizado para todos os tipos de mosquitos, isto porque uns preferem águas não poluídas (como mosquitos do género Anopheles), enquanto que outros preferem águas mais poluídas (como mosquitos do género Culex). Na colheita de imaturos, no que diz respeito às técnicas descritas anteriormente, tive a oportunidade de experienciar ambas as técnicas de colheita e pude constatar diferenças: a colheita por garrafa é mais difícil do que pela seringa. Devido ao rápido movimento que os estádios imaturos têm (larvas e pupas), torna-se dífícil a sua recolha pelo método do arrastamento da garrafa porque é preciso arrastar o copo de uma forma tão lenta para que não sintam a presença de algo externo ao seu habitat. O método de colheita por seringa é mais fácil devido à sucção efetuada quando se puxa o êmbolo, que por ser uma força maior que o movimento das larvas e das pupas consegue-se recolher com mais facilidade e em maior quantidade.
Ao longo das várias saídas de campo que fiz desde o início do estágio, tem havido uma grande dificuldade em encontrar mosquitos, tanto imaturos como adultos. Os ovos foram, até agora, o único estádio imaturo que ainda não se conseguiu encontrar. Tendo em consideração o observado durante os trabalhos de campo nos locais de amostragem selecionados, pude verificar que, em circunstância alguma, consegui visualizar quaisquer presenças de mosquitos adultos. Posto isto, será de repensar a colocação das armadilhas para a captura de ovos em zonas que se conheça a existência de mosquitos adultos. O mesmo se aplica à captura de mosquitos adultos, que tal como os ovos, ainda não se conseguiu recolher numa amostra para estudo. 

Espero que a informação vos seja útil.
Próxima publicação: Controlo de Infeção Associada aos Cuidados de Saúde

Até Breve! =)
Fontes:

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