sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Situações de Insalubridade Domiciliárias

Fig. 1 - Todos nós temos que cuidar
da nossa casa
A habitação é uma vertente que contribui de forma importante para o estado de saúde das pessoas. A qualidade do ar interior, a ventilação, a luminosidade, a eficiência energética e a temperatura interior, o ruído e a poluição exteriores, a dimensão da casa e a eventual sobrelotação, a vista, o ambiente envolvente e a acessibilidade, são tudo fatores que concorrem para o nível de saúde dos residentes das habitações.
Sendo a habitação um elemento importante na prevenção da doença é também um fator relevante na promoção da saúde de indivíduos e comunidades. A promoção da saúde é um conceito que foi falado, internacionalmente, pela primeira vez em 1986, na Conferência de Ottawa, pela Organização Mundial da Saúde que visa alargar a prespetiva relacionada com o processo saúde/doença, considerando que as componentes ou determinantes biopsicossociais, económicos, culturais, políticos, ambientais e de habitação, urbanismo, educação, trabalho, transportes, lazer, entre outros, têm um importante papel no desencadear dos processos de desequilíbrio do binómio bem-estar/saúde e por essa razão podem contribuir para o surgimento de muitas conjunturas de desequilíbrio que podem originar situações de doença.


 Saneamento do Ambiente e Qualidade da Habitação

O saneamento ambiental e as condições naturais do espaço que envolve a habitação podem ter más influências na qualidade da habitação, tais como: existência de terrenos muito inclinados; rajadas de vento frequentes, “canalizadas” em certas esquinam e zonas desabrigadas; remoinhos de poeira e lixo no ar; presença da água em zonas baixas, perto do leito de ribeiras e "linhas de água" sujeitas a enxurradas; zonas sombrias e encostas com pouca insolação; sítios sem árvores. É também importante considerar a existência de fontes de poluição, tais como: instalações fabris ou estabelecimentos comerciais ruidosos; aterros e escavações; zonas abandonadas; zonas de trânsito motorizado intenso e sem barreiras de proteção contra o ruído nem de absorção da contaminação com gases e com metais pesados. Medidas sanitárias proporcionam o controlo de doenças transmissíveis com a finalidade de assegurar condições de saúde aos indivíduos residentes nas zonas urbanas e rurais.
Fig. 2 - Aterro sanitário de Feira de Santana, Bahia
Em 2007, na Bahia – Brasil, foi desenvolvido um estudo onde se avaliou a área circundante do aterro sanitário do município de Feira de Santana, através do diagnóstico das condições sanitárias, ambientais, sociais e a suscetibilidade dos moradores com a presença de microrganismos patogénicos intestinais transmitidos por dípteros (insetos com duas asas). De uma amostra de 10.987 dípteros, foram identificados os seguintes agentes de doença: Salmonella sp., Escherichia coli, protozoários e helmintas. Insetos voadores como as moscas, em especial, a Musca domesti­ca, e as espécies pertencentes às famílias Calliphoridae, Sarcophagidae, estão associadas à disseminação de patogénicos, transportando-os por meio mecânico (patas, asas, abdômen, ante­nas), material regurgitado ou nas fezes. Essa associação ganha maior importância pelo alto grau de sinantropia e devido à capacidade das moscas em percorrer longas distâncias (entre 10 a 15 km em 24 horas), sendo por isso de interesse médico-sanitário. A mosca comum pode transportar agentes in­feciosos para o homem e para outros animais, como: Escherichia coli, Salmonella sp., Shigella sp., Aeromonas hydrophila, Vibrio fluvalis, S. flexne­ri, S. fecalis, Campylobacter fetus e C. jejuni, Enterococcus faecalis, E. faecium e Enterococcus casseliflavus, Cryptosporidium parvum e Giardia lamblia, Ascaris suum, Trichuris suis, Strongyloides ransomi, larva e ovos de Metastrongylus sp.. Foi concluído que as condições sanitárias/ambientais avaliadas in loco contribuem para o nível encontrado de bactérias e protozoários e com a endemi­cidade das moscas, que podem agir como vetores mecânicos, seja no ambiente extra ou intradomiciliar, apresentando risco para a saúde pública e, principalmente, para as crianças. O risco de contaminação indireta por enteroparasitas é uma rea­lidade: os ovos, as larvas de helmintos e os oócitos de protozoários podem ser disseminados pelo vento, água das chuvas e pelas moscas, po­dendo contaminar alimentos sólidos e líquidos e posteriormente ingeri­dos pelo hospedeiro. As doenças relatadas pelos moradores apresentam uma relação com as condições insalubres do ambiente que circunda a habitação. No entanto a falta de alguns serviços básicos de saneamento e as atitudes incorretas da população criam microambientes que favorecem o ciclo biológico destes insetos, independentemente do aterro.

Um outro estudo realizado numa área periférica da cidade de Manaus – Brasil, publicado em 2011 na Revista Ciência & Saúde Coletiva, teve como objetivo avaliar a associação entre fatores socioambientais e condições de saneamento urbano com a prevalência de parasitoses intestinais. A amostra de estudo constituía numa comunidade heterogénea que apresentava diferenças em relação aos níveis sócio-económicos e ambientais entre as micro-áreas avaliadas, no entanto as condições de saneamento básico da comunidade eram precárias de uma forma geral. As principais conclusões do estudo mostram que a prevalência de parasitoses intestinais foi de 44,2%, tendo sido associadas ao tipo de construção da habitação, à faixa etária e à origem da água de abastecimento. O despejo das águas residuais a céu aberto e o uso de fossas rudimentares constituem fatores de risco associados a parasitoses e protozoários intestinais.  

Comportamento e Síndrome de Diógenes

Fig. 3 - Acumulação de lixo e objetos usados e sem valor,
característica relacionada com a Síndrome de Diógenes 
O ambiente da habitação e os seus espaços envolventes podem conter diversas ameaças à saúde. Por vezes esses problemas são facilmente ultrapassáveis, necessitando apenas de ser alertada a relação causa-efeito, para se tomarem as medidas necessárias. Outras vezes, a resolução dos problemas é mais complexa, necessitando de um estudo mais aprofundado. Algumas iniciativas devem ser das autoridades, de modo a fazerem algumas alterações estruturais aos espaços. No entanto, muitos problemas têm origem no comportamento dos habitantes, que se prejudicam desnecessariamente por desconhecimento dos problemas, ou então relacionados com a Síndrome de Diógenes (SD), uma condição clínica de relevância crescente do ponto de vista social e de saúde pública pelas consequências que a ela estão associadas. Esta patologia psíquica caracteriza-se por uma negligência severa do autocuidado, insalubridade no domicílio, isolamento social, reduzida perceção do problema e comportamento de acumulação de objetos usados e sem valor e lixo. É uma doença frequentemente associada a Perturbações Obsessivo-Compulsivas, Psicóticas e Sín­dromes Demenciais. Contudo, em cerca de 50% dos doentes não é possível definir um diagnóstico claro. Certos autores apontam para um padrão de Perturbação de Personalidade subclínica que face a acontecimentos de vida determinantes despoletaria este quadro psicopatológico.

Estudos de caso


Síndrome de Diógenes: revisão sistemática da literatura

De modo a contribuir para a sistematização das evidências científicas sobre a SD e para a sensibilização nacional dos profissionais de saúde e de áreas sociais, foi publicada na Revista Portuguesa de Saúde Pública, em 2012, uma revisão da literatura sobre esta patologia na língua inglesa, francesa, espanhola e portuguesa, onde foram analisados 67 relatos de caso. O Reino Unido, seguido dos Estados Unidos da América e Austrália foram os países com maior contributo para o estudo da SD. Em Portugal apenas foram identificados 2 relatos de caso (ver bibliografia nº 25 e 98 aqui) o que evidencia a reduzida sensibilidade face à problemática. Em resultado, depreende-se que o irreconhecimento desta síndrome por parte da sociedade civil apresentar-se-á como o principal fator impeditivo da conveniente identificação e gestão de casos.
Os relatos de SD apresentam descrições de indivíduos entre os 22 e os 92 anos de idade. A média de idade ronda os 69 anos e não varia significativamente em ambos os sexos. Da análise destaca-se um perfil de indivíduos com SD, caracterizado por pessoas idosas (84%), solteiras (44%) ou viúvas (25%) e, maioritariamente, mulheres (66%), que habitam sozinhas (64%), em apartamento, em habitações com graves deficiências de habitabilidade, incapazes de garantir relações significativas e relutantes em receber qualquer ajuda, principalmente em contexto formal. A SD não revelou ser específica de um extrato socio-económico baixo, contrariamente ao que tinha sido preconizado por vários autores, uma vez que 17 dos 27 relatos de caso que disponibilizaram informação sobre as habilitações literárias dos indivíduos, possuem curso profissional ou curso de nível superior, e dos 47 indivíduos que tinham ou tiveram um emprego remunerado, 25 foram trabalhadores qualificados.
Esta patologia psíquica deve ser considerada como um fenómeno essencialmente geriátrico. Os critérios determinantes para a identificação da SD foram o isolamento social, a auto-negligência física e a habitacional (tabela 1).

  Tabela 1 - Características proeminentes da SD nos relatos de caso

 ü Em 80% dos relatos observam-se os comentários sobre a habitação que vão desde «deterioração marcada», «insalubridade extrema», «inabitável» a «condições infra-humanas». É de realçar a presença de excrementos humanos e/ou de animais (33%), a presença de animais no interior da habitação (20%) e de infestações por roedores e/ou insetos (15%), a auto-privação de água canalizada ou eletricidade (16%), a acumulação de objetos e lixo que reduz o espaço de vida, dificultando a mobilidade (13%) e a degradação de compartimentos, usualmente cozinha e instalações sanitárias, que os torna não funcionais (9%). Os restantes 20% de relatos de caso sem descrição são relativos a indivíduos que vivem na rua, que não permitem visitas, que possuem o apoio e o controlo de familiares com quem co-habitam ou que não disponibilizam qualquer informação.

 ü Relativamente à conduta acumuladora, esta pode derivar de perturbações mentais diversas (por ex. esquizofrenia, perturbações orgânicas cerebrais, perturbações de personalidade) que não se encontram diretamente relacionadas com a SD. No entanto, numa parte considerável dos casos, a conduta acumuladora ajudou a identificar a síndrome, sendo uma pista útil. Estas pessoas com SD que apresentam conduta acumuladora possuem níveis de tolerância superiores relativamente a desordem, e que esta conduta apresentava-se em si própria como uma fonte de satisfação e alívio da ansiedade.

 ü  Para além do isolamento marcado, a negação do problema e a recusa de apoio são os principais obstáculos à intervenção na SD que parecem revelar um desequilíbrio entre as necessidades do sujeito com SD e o modo como os serviços são disponibilizados.
Fig. 4 - Instalação sanitária insalubre
Estas situações são usualmente referenciados por vizinhos ao sistema de saúde em resultado de situações de risco para o próprio ou para terceiros. Embora alguns relatorios, analisados pelos autores desta revisão, apontem a família como a principal sinalizadora do fenómeno, os resultados da análise colocam em causa o seu papel neste processo. Da casuística emergem hipóteses para a aparente falta de preocupação dos familiares:
  • o respeito pela auto-determinação e privacidade da pessoa;
  •  sentimento de frustração após várias tentativas de ajuda;
  • sentimento de impotência, vergonha e medo quanto à sua excentricidade;
  • degradação da relação;
  • despreocupação por não considerarem uma conduta patológica;
  •  desconhecimento do estilo de vida do familiar devido ao isolamento a que ele se remete;
  • desconhecimento de recursos na comunidade com competência para lidar com o fenómeno.
 Para mais informações sobre os motivos de referenciação, possíveis fatores de risco obtidos na história de vida, perturbações mentais diagnosticadas nos relatos de caso e comorbilidades físicas descritas nos relatos, consulte aqui.


Síndrome de Diógenes (Sessão de Posters sobre Saúde Mental)

No IV Congresso Nacional de Psiquiatria, que teve lugar no Estoril em 2010, o tema da Síndrome de Diógenes foi abordado numa sessão de posters, onde foram apresentados dois casos clínicos no Porto, em que ambos verificou-se a ausência de qualquer preocupação com as suas condições básicas de vida:
  •  homem de 67 anos, sem suporte sócio-familiar, a viver como indigente apesar de ter habitação própria onde acumulava objetos que encontrava na rua.
  •  homem de 65 anos que vivia com a esposa, acumulando lixo em casa, tornando-a inabitável.
 Analisando o segundo caso, se a habitação tornou-se inóspita, vivendo nela um casal, é provável que ambos sofram de SD. Esta conclusão é suportada pelo estudo referido anteriormente, em que 14 relatos apresentam indivíduos que vivem acompanhados pelo cônjuge, irmãos ou numa relação mãe-filha onde ambos ostentam critérios de SD (Diógenes a Deux).

Os autores deste poster referem que existe uma complexidade de uma intervenção psiquiátrica, farmacológica e psicoterapêutica, apoiando também uma difícil abordagem de âmbito comunitário e psicoeducacional quer ao nível do idoso quer ao nível do cuidador/familiar.

Entenda o que é a SD e como ajudar quem tem esta síndrome



Habitação e Saúde – Ferramenta de diagnóstico das condições habitacionais

“Foi demonstrado que pessoas que vivem em más habitações e condições ambientais pobres atingem rácios mais elevados de mortalidade e são em geral menos saudáveis do que aqueles que vivem em bairros aonde a habitação é boa”.
Organização Mundial de Saúde, 1974
A Organização Mundial de Saúde (OMS), ciente dos problemas de saúde com origem na habitação, elaborou um estudo em 8 localidades da Europa (Portugal incluído, com Ferreira do Alentejo). Este estudo, denominado LARES (Large Analysis and Review of European housing and health Status), foi apresentado na 4ª Conferência Ministerial sobre “O futuro das nossas crianças”, que reuniu os Ministros da Saúde e do Ambiente dos 53 países que constituem a Região Europa da OMS, e teve lugar em 2004 na cidade de Budapeste.

Fig. 5 - Localidade alvo do estudo LARES da OMS
Nesta Conferência, foram assumidos diversos compromissos para diminuir as ameaças à saúde, causadas pelos diferentes domínios do ambiente. Um dos compromissos foi o de ajudar as autoridades locais a criarem planos locais de ação para diminuírem os problemas que a habitação pode causar à saúde. De forma a dar cumprimento a este compromisso, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) com a colaboração da OMS, fez mais 2 estudos, em Mira e em Amarante. Com os resultados destes estudos, foi elaborado o Manual para projetos que serve de guia de instrução para todos os aspetos de um projeto de Planos Locais de Ação em Habitação e Saúde (PLAHS). Esta ferramenta, simples e de baixo custo, permite uma investigação a nível local de condições habitacionais relacionadas com a saúde, podendo levar as autoridades locais a desenvolver e fortalecer políticas de habitação que respondam a necessidades específicas de saúde. Assim, o objetivo dos PLAHS é de melhorar as condições habitacionais como uma estratégia preventiva para efeitos de saúde e ferimentos relacionados com a habitação e como um meio de diminuir desigualdades sociais e de saúde na população.
                                                    
Aspetos da habitação que podem causar problemas de saúde
Problemas de saúde com possível origem na habitação
·     Materiais de construção;
·     Impermeabilização;
·     Temperatura;
·     Acessibilidade;
·     Higiene;
·     Resíduos;
·     Ruído;
·     Incêndios;
·     Iluminação;
·     Ambiente envolvente;
·     Animais domésticos;
·     Infestações;
·     Qualidade do ar interior (ventilação, dióxido de carbono, monóxido de carbono, tabaco, radão, bactérias e fungos, humidade e bolor, amianto, formaldeído, compostos orgânicos voláteis, partículas suspensas, ftalatos, etc.);
·     Arquitetura (escadas, janelas, varandas, piso escorregadio, etc.);
·     Aspetos socioeconómicos;
·     Sobrelotação; privacidade; solidão.
·       Doenças respiratórias;
·       Alergia;
·       Asma;
·       Acidentes domésticos (quedas, queimaduras, afogamento, cortes, lesões, envenenamento, intoxicação);
·       Doenças cardiovasculares;
·       Obesidade;
·       Cancro;
·       Dermatite;
·       Hipertensão;
·       Rinite;
·       Tuberculose;
·       Saúde mental;
·       Depressão;
·       Fobias;
·       Problemas na gravidez;
·       Infertilidade;
·       Visão;
·        Zoonoses.

Condições habitacionais e o seu impacto na saúde



“A conexão entre a saúde e as casas das pessoas é uma das mais importantes que existe”
 Florence Nightingale


“Nós moldamos as nossas casas e em troca elas moldam-nos a nós” 

 Winston Churchill

No interior da habitação são fundamentais as condições de funcionalidade e de adaptabilidade a diversos tipos de usos e de modos de vida, em conjunto com as boas condições de segurança e intervenção de emergência e de relação com o exterior e a natureza, aspetos estes essenciais para crianças, idosos, pessoas doentes e pessoas que vivam sós.

A habitação deve proteger de condições ambientais adversas, ajudar na prevenção de doenças, assegurar a higiene, o conforto ambiental, físico e mental, o sossego e as atividades correntes e criativas, bem como a manutenção da saúde humana num sentido amplo que engloba o bem-estar. Estes objetivos dependem de adequadas condições de desafogo espacial, de boas condições de acesso ao abastecimento de água potável e ao saneamento básico, e de agradáveis condições de equilíbrio térmico, ventilação e luz natural, insolação e isolamento acústico.

        Tabela 2 - Condições habitacionais e impactos na saúde
Aspetos habitacionais
Relação habitação-saúde
Área por pessoa
O limite de espaciosidade mínima numa habitação, abaixo do qual aumentam os atritos entre os seus habitantes, é de cerca de 20 m2 por pessoa. Um compartimento é considerado muito espaçoso se tiver acima de 20m2 e a noção que se tem de espaciosidade aumenta com a capacidade de se introduzir mobiliário.
Conforto térmico
Ligado à adequada exposição solar e ao sombreamento das janelas habitacionais e à eficácia do isolamento e da ventilação do respetivo espaço interior; boas condições de conforto térmico, no Inverno e no Verão, são essenciais para o bem-estar doméstico e influenciam criticamente o bem-estar dos habitantes mais sensíveis (idosos, crianças e doentes). A humidade tem um papel importante na perceção do calor, pois a maioria das pessoas aguenta melhor baixas e altas temperaturas com ar seco do que húmido. Isto significa que a perceção do conforto térmico pode requerer diferentes níveis de temperatura, dependendo da humidade.
As zonas marítimas têm calor e humidade, exigindo boa ventilação no Verão e resolução da condensação no Inverno, enquanto as zonas continentais têm problemas de calor e pó no Verão; e os espaços exteriores domésticos devem ser sombreados no Verão (refrescados pelas brisas), e receber insolação e ser protegidos do vento no Inverno (especialmente nas zonas continentais).
Ventilação
Apoia o bom funcionamento fisiológico e psicológico do corpo e da mente do Homem, melhorando o conforto e o sentimento de bem-estar, sendo essencial na remoção de cheiros desagradáveis e elementos poluentes do ar interior, na oferta de ar puro, e no equilíbrio da temperatura e da humidade no espaço doméstico.
Humidade e Bolor
A seguir ao clima, o número e comportamento dos residentes numa casa, assim como a temperatura e ventilação, têm um impacto na quantidade de vapor de água no ar interior. Além disso, casas inadequadas e especialmente falhas estruturais podem levar a uma acumulação de humidade dentro da casa. Isto pode facilitar a emissão de químicos provenientes dos materiais de construção e aumenta o problema dos ácaros, que são uma reconhecida fonte de alergias. No entanto, a relevância da humidade para a saúde está principalmente relacionada com o fato que muitas vezes leva ao crescimento de bolor. O bolor é reconhecido como um dos maiores alergénios no ambiente da casa e pode levar a suaves ou severas reações alérgicas, principalmente relacionadas com a saúde respiratória (incluindo infeções e obstrução brônquica) e reações do sistema imunitário.
Qualidade do ar interior
Grande parte da população passa cerca de 80-90% do tempo no interior de edifícios. A qualidade do ar interior tem vindo a ter um impacte crescente sobre a qualidade da vida humana, originando ou agravando doenças respiratórias e cardiovasculares. Os efeitos mais comuns incluem asma, irritação dos olhos, nariz e garganta, dores de cabeça, fadiga, náuseas, vertigens e sintomas de alergias. Fatores que visam assegurar a qualidade do ar interior: ventilação natural, volume de ar por utilizador, minimização do grau de toxicidade dos materiais, dimensionamento correto do sistema AVAC e controlo dos níveis de poluentes interiores, temperatura e humidade relativa.
A exposição de uma pessoa a diferentes poluentes no ambiente interior é determinada pela quantidade de tempo gasto no interior e pela concentração de poluentes. Devido às muitas fontes de poluentes do ar interior e a sua acumulação onde a ventilação é inadequada, os níveis de poluentes interiores podem exceder significativamente os encontrados no exterior.
Iluminação natural
Fundamental considerar boas relações entre as áreas dos compartimentos e as respetivas áreas envidraçadas e há que ter um cuidado muito especial quando as habitações têm uma única orientação. A orientação Sul dos vãos de iluminação é muito favorável, tanto no Verão como no Inverno, a orientação Norte é excelente no Verão mas muito negativa no Inverno, e as orientações Nascente e Poente são especialmente desfavoráveis no Verão. É importante aumentar a reflexão da luz natural no interior através de cores claras, melhorando-se a luz natural e reduzindo-se o contraste com a luz direta, responsável por condições incómodas de encandeamento. A penetração de luz natural e especificamente de radiação solar direta nos compartimentos da habitação tem consequências fisiológicas e psicológicas muito positivas, quer no que se refere ao conforto térmico, quer na ligação à atividade biológica do corpo, quer mesmo numa ação bactericida. A ausência prolongada de boas condições de insolação (radiação solar) provoca problemas de desequilíbrio fisiológico no corpo humano e outros sintomas patológicos que têm sido descritos como “fome de luz”.
Isolamento sonoro
Galerias de acesso comum, casas de banho e cozinhas podem servir como barreiras entre as fontes de ruído e as salas e os quartos, que são os espaços mais sensíveis ao ruído. O bem-estar aumenta muito quando uma das fachadas do edifício está protegida do ruído e se usam técnicas de construção adequadas (exemplos, isolamentos entre espaços das habitações, entre habitações, entre espaços comuns e habitações e entre estas e o exterior). É, assim, essencial considerar as influências críticas do ruído no sono, no sossego, na privacidade e na concentração (por exemplo, necessária ao trabalho e ao estudo); o que sublinha a importância dos cuidados a ter na disposição e organização dos quartos e das salas (exemplo, evitar vizinhanças problemáticas).
Sanitários e abastecimento de água
Um abastecimento de água limpa e a provisão de sanitários são elementos chave para uma casa e requerimentos básicos tanto para a higiene pessoal como alimentar. Um abastecimento de água potável não é por si só suficiente, pois precisa ser acompanhado por condições sanitárias básicas. Adequados sanitários e higiene podem ajudar a evitar diversos patogénicos que causam infeções e doenças alimentares e que podem levar algumas vezes a condições severas ou ameaçadoras da vida e ao envenenamento da comida.
Pragas
Além do impacto na higiene em geral, muitas destas pragas são parasitas humanos. As condições interiores relativamente quentes e húmidas, muitas vezes promovem um habitat perfeito para muitas pragas domésticas, tais como ácaros, baratas, formigas, percevejos, piolhos, mosquitos e moscas. O desenho e a qualidade da construção também terão uma influência no aparecimento de ratos e ratazanas. Enquanto a consequência das infestações na saúde com pragas de formigas e baratas vão de febre tifóide, diarreia, lepra e disenteria a envenenamento da comida, outras como mordidas de piolhos e moscas podem causar reações alérgicas, inflamações ou infeções. A maior ameaça reside na sua habilidade para infetar humanos com doenças parasitárias ou virais tais como malária e febre dengue.
Sobrelotação e densidade
Considera-se sobrelotação de habitantes quando o número de pessoas a viver numa casa excede a capacidade da casa para fornecer abrigo e serviços adequados. No entanto, não existe uma definição ou padrão acordados internacionalmente para “sobrelotação”. Uma situação de alta densidade depende de dois fatores quantitativos: o número de quartos disponíveis (ou área habitável em metros quadrados) e o número de pessoas a viver na casa. As potenciais consequências de insuficiente espaço habitável na saúde dos residentes, pode ser dividida em efeitos físicos de alta densidade de população e efeitos psicológicos da sobrelotação. Altas densidades aumentam o risco de morbilidade por doenças contagiantes devido à proximidade das pessoas a viverem juntas. O uso partilhado de equipamentos de higiene e cozinha também aumenta o risco de exposição a patogénicos.

Manutenção, Conservação e Patologias de uma Habitação

Nos edifícios, os defeitos e as anomalias são vulgarmente conhecidos como patologias de construção ou não conformidades e podem ser de:


Para minorar e corrigir as patologias de construção, a manutenção periódica dos diversos elementos da edificação é uma prática aconselhável, cujo objetivo é de conservar o imóvel em boas condições de utilização, durante o período da vida útil (admite-se que o tempo de vida útil de um edifício varie entre 40 e 100 anos). A degradação prematura dos edifícios é evitada promovendo as seguintes operações periódicas:

Diariamente/semanalmente:
• Limpeza dos diversos locais;
• Arejamento da casa durante o dia.

Mensalmente:
• Limpeza de vidros, caixilhos, louças sanitárias, tetos, paredes e pavimentos.

Semestralmente:
• Limpeza da cobertura e caleiras;
• Verificação dos filtros das torneiras.

Anualmente:
• Desinfestação e desratização da casa do lixo;
• Revisão das ferragens e mecanismos das caixilharias e das portas;
• Rever juntas e anilhas das torneiras;
• Limpeza e revisão dos queimadores das caldeiras;
• Limpeza do filtro e afinação do extrator da cozinha;
• Revisão dos extintores;
• Revisão da instalação de emergência;
• Limpeza das chaminés.

Cada dois anos:
• Verificar a estanquidade da tubagem de gás;
• Revisão dos radiadores;
• Substituir o silicone das banheiras;
• Verificar verniz nos exteriores;
• Lubrificação das ferragens;
• Substituição do tubo flexível do gás;
• Revisão das juntas dos azulejos.

Cada cinco anos:
• Verificar pintura exterior;
• Pintura dos elementos metálicos;
• Revisão das instalações de água, eletricidade, esgotos, incêndios e gás.

Para saber mais sobre as principais anomalias numa habitação/edifício, consulte aqui, páginas 155 a 173.

 Outras evidências de insalubridade habitacional

Em Abril de 2013, o Parlamento Europeu emitiu um relatório sobre habitaçãosocial na União Europeia onde considera que existe uma ligação clara entre a baixa qualidade habitacional e as más condições de saúde, como se comprova pelo fato de o endividamento hipotecário estar associado à degradação da saúde mental, a sobrelotação estar ligada a problemas psicológicos, tuberculose, infeções respiratórias, aumento da probabilidade de incêndio e de acidentes domésticos. A vida em condições impróprias de habitabilidade pode afetar negativamente a saúde e a segurança, aumentando a probabilidade de acidentes domésticos, e a permanência numa área excessivamente ruidosa surgir frequentemente relacionada com o aumento do número de casos de hipertensão e de tensão arterial elevada. Este relatório refere grupos de risco que são mais vulneráveis à condição de sem-abrigo e que efetuam frequentemente mudanças para unidades habitacionais de baixa qualidade provenientes do mercado imobiliário privado, aumentando substancialmente o risco de ocorrência de problemas de saúde: famílias jovens, famílias numerosas, estudantes, juventude em início de carreira, jovens casais desempregados, deficientes, doentes e doentes do foro psiquiátrico, pessoas de comunidades marginalizadas, incluindo os ciganos e idosos.
Fig. 6 - Comunidade de etnia cigana
Numa das minhas visitas domiciliárias, resultante de uma queixa à Unidade de Saúde Pública, foi identificada uma família de etnia cigana cuja habitação de alvenaria carecia de certas condições mínimas como o abastecimento de água, a higiene da habitação, humidade e odores desagradáveis. As condições de vida da comunidade cigana são muito piores do que as da restante população, diz um estudo da Eurofound que visava a obtenção de uma perspetiva geral das condições de habitação e saúde da comunidade cigana e do modo como estes dois aspetos estão interligados. Os problemas identificados e relacionados com a habitação que a comunidade cigana enfrenta incluem taxas elevadas de sobrelotação, ausência de saneamento básico e níveis muito elevados de segregação urbana, fatores que limitam o acesso aos cuidados de saúde. A sobrelotação está associada a problemas de saúde, a problemas psicológicos, à tuberculose, a infeções respiratórias, e ainda a um risco acrescido de incêndio e acidentes domésticos. Além disso, viver numa casa sem condições adequadas afeta negativamente a saúde e o sentimento de segurança e aumenta o risco de acidentes domésticos. A situação parece ser mais grave na Eslováquia e na Hungria, onde os ciganos vivem, em média, com duas pessoas por quarto. Em média, 62% das pessoas de etnia cigana não têm acesso ao saneamento básico, comparativamente a 31% da população maioritária que reside em zonas isoladas. Em termos relativos, parece que a comunidade cigana na Bulgária vive em condições muito mais desfavoráveis do que as populações maioritárias residentes nas proximidades. A segregação pode constituir uma estratégia de sobrevivência que utiliza os laços e redes comunitários para colmatar um vazio na prestação de serviços essenciais, aumentando a vulnerabilidade através do isolamento e da concentração de grupos vulneráveis. A segregação afasta as pessoas de etnia cigana dos cuidados de saúde, do emprego, da educação e do contacto com o resto da sociedade. Estas questões reforçam as desigualdades existentes em matéria de saúde nas comunidades ciganas: risco acrescido de deficiências, doenças crónicas e obesidade. Além disso, estas condições agravam-se sempre que há despejos forçados.
Um outro estudo de caso realizado no concelho de Paredes, que teve como objetivo analisar as práticas profissionais das entidades que realizaram uma intervenção sócio-educativa junto da comunidade, revelou condições de habitabilidades precárias e com riscos elevados: canalização de água improvisada, provindas dos três fontanários do acampamento; no seu interior, podem ainda encontrar-se pequenas divisórias em madeira e/ou cortinados que separam a cozinha dos quartos e da improvisada casa de banho - quando existe; a estrutura das barracas, mesmo com uma aparente fragilidade, tem dois andares; todas possuem eletricidade, janelas em madeira ou metal e na sua grande maioria, o chão é revestido com cimento, tijoleira e/ou madeira. Raras são as que têm o chão em “terra batida”. As barracas do acampamento onde permaneciam são interpretadas pelos ciganos como “casas”, e mesmo quando se referem às mesmas como “barracas”, fazem-no com orgulho.

Fig. 7 - Condições habitacionais da etnia cigana

Boas práticas

Diversas ações podem ser tomadas para minimizar os efeitos nocivos que os espaços habitacionais podem causar na saúde das populações. De forma geral, considerando os eixos económico, social e ambiental, sugere-se:

Desenvolvimento económico 

  • Facultar informação sobre meios de financiamento para aquisição ou obras de melhoramentos nas habitações.
  • Realização de um estudo sobre o impacto económico das doenças associadas à habitação, ou sobre o equilíbrio entre riscos para a saúde e custos económicos da prevenção.
  • Análise custo-benefício da implementação de medidas que beneficiarão o ambiente habitacional e a saúde.
Coesão social

  • Estimular a coesão social em geral e, em particular a familiar e de vizinhança.
  • Desenvolver estratégias de ajuda aos mais desfavorecidos.
  • Nível pessoal: promover sensação de bem-estar em casa, no edifício, na vizinhança, na cidade; estimular cuidado a ter com a casa e espaço envolvente, de modo a aumentar sensação de bem-estar; estudar estratégias para ultrapassar problemas de solidão, sobrelotação e saúde mental.
  • Nível familiar: estimular a coesão da família, respeito pelo espaço individual e espaços comuns; estudar os problemas de violência doméstica.
  • Nível vizinhança: estudar estratégias de ultrapassar problemas de ruído de vizinhança, uso abusivo do espaço comum, estacionamento desregrado, desrespeito pelo espaço envolvente. Estimular as redes de vizinhança, coesão entre vizinhos, apoio quando necessário, convívio com respeito pela privacidade, ações comunitárias de desenvolvimento da envolvente habitacional.
  • Nível Câmara/Freguesia: organização de encontros, festas, passeios, concursos, etc. de modo a permitir o convívio; implementar bancos de tempo; organizar aulas de dança, pintura, cerâmica, informática, culinária, etc.; estimular o intercâmbio entre os diversos agentes públicos (saúde, ambiente, habitação, segurança social, proteção civil, educação, cultura, turismo, justiça, segurança pública, etc.).
Proteção do ambiente

  • Incentivar a construção de habitações mais saudáveis e sustentáveis, através da alerta para os seguintes pontos a ter em atenção: seleção de materiais de construção não tóxicos; cuidados a ter em construções que contenham materiais com amianto, chumbo, etc.; construção em locais onde exista radão; campos eletromagnéticos; qualidade do ar interior/ventilação; qualidade da água, canalizações, reaproveitamento de água; higiene; temperatura; energia; segurança contra incêndios; ruído; resíduos; infestações, animais domésticos; condições para a criação de humidade e bolor; iluminação natural e artificial; acessibilidade para pessoas com mobilidade condicionada.
  • Planeamento urbano: incentivar os transportes sustentáveis (ciclovias com estacionamentos de bicicletas, andar a pé e de transportes públicos); segurança; pequeno comércio próximo a zonas de habitação; espaços verdes, ruas arborizadas, jardins, praças, anfiteatros; zonas de convívio para crianças, adolescentes, adultos e idosos.
  • Práticas sustentáveis: orientação solar; materiais e técnicas construtivas próprias de cada região; utilização de materiais naturais; técnicas construtivas que permitam conforto ambiental sem dispêndio de energia; aproveitamento da água das chuvas e águas cinzentas; energias renováveis.

    Análise crítica

    Durante o meu estágio tive o privilégio de acompanhar várias situações de verificação de insalubridade domiciliária. Todas as habitações visitadas apresentavam elevados graus de insalubridade, cujas condições higio-sanitárias eram praticamente inexistentes pondo em risco a própria saúde. Os fatores que contribuem para este tipo de situações são diversas, complexas e difíceis de identificar para posteriormente corrigir, podendo abranger questões económicas, sociais, ambientais, políticas, comportamentais e/ou culturais como já foram descritas ao longo desta publicação. Não podemos focar apenas num fator como sendo aquele o único causador do problema, mas sim um conjunto de fatores interligados entre si, onde um deles é o predominante, que despoletam estas situações de insalubridade, por vezes extrema. Da análise efetuada a vários documentos e relacionando com a experiência tida até agora na USP, todas as situações de insalubridade estavam associadas a fatores comportamentais e psiquiátricos caracterizados por uma negligência severa do autocuidado, insalubridade no domicílio (falta de higiene, odores desagradáveis, humidade, sem abastecimento de água, sem eletricidade e sem drenagem de águas residuais), isolamento social, recusa de ajuda, reduzida perceção do problema e comportamento de acumulação de objetos usados e sem valor e lixo. No entanto, é importante não esquecer a existência de outras fontes de origem de insalubridade habitacional como o saneamento ambiental e as condições naturais da envolvente da habitação. As medidas sanitárias proporcionam o controlo de doenças transmissíveis com a finalidade de assegurar condições de saúde aos indivíduos residentes nas zonas urbanas e rurais, no entanto, a falta de alguns serviços básicos de saneamento e as atitudes incorretas da população criam microambientes que favorecem o ciclo biológico destes insetos, independentemente das medidas de higiene e de controlo. Outro fator relevante para o agravamento destas situações diz respeito às políticas nacionais e respetivos mecanismos de aplicação. Apesar de haver programas de reabilitação e de inserção social, muitas vezes os recursos humanos são insuficientes para abranger todos os casos.

Espero que a informação vos seja útil.
Próxima publicação: Bem-Estar Animal

Até Breve! =)

        Fontes:

Sem comentários:

Enviar um comentário